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terça-feira, 29 de junho de 2010

Da Fraternidade (criar laços)

"Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música.
E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste!
Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo..."
excerto de O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry

Num dos meus livros de Português - não sei quantos anos já lá vão, nem me apetece contá-los... - havia um texto em que uma Raposa explicava a um Principezinho o que significava cativar.

É com as bonitas imagens acima transcritas que a Raposa explica ao Principezinho o significado de cativar, de criar laços.

Ao longo da vida, fui relembrando estas (e outras) palavras deste fantástico livro que - ainda hoje - me lembram em palavras simples e bonitas o que é ser Amigo, o que é ser Fraterno, o que é ser para os outros para que os outros sejam para nós.

Ainda hoje tenho a certeza que somos sempre responsáveis por aqueles que cativamos. E que cativar é uma tarefa sem fim...



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Um obrigada a Antoine Saint-Exupéry por estas palavras mágicas, no 110.º aniversário do seu nascimento!



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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Da Incerteza (medo)

"Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada."
excerto da Desfolhada, de Ary dos Santos 

Hoje dou uma parte do "meu" poema ao desnorte do nosso país, à impotência que sinto (tão acompanhada...) perante todo o desatino que "desnorteia" tantas medidas e, infelizmente, poucas soluções!

É mesmo uma aventura viver num país tão à deriva onde não se perfila um capitão à altura da nau, à altura de tal empresa...



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domingo, 27 de junho de 2010

Do Afecto (saudade)

"Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda."

Aproveitar o Domingo para pôr em ordem a papelada... Esse era o plano... Que, como quase todos os que fazemos, tentando meter uma vida num dia, ficou pelo caminho. Sem pena!

Ao tentar guardar mais uns papéis numa gaveta já a clamar clemência, dei por mim a rever tantas pessoas queridas que ponteiam tantos momentos felizes da minha vida! Tantas saudades!

Os amigos da escola, as meninas das confidências, os compinchas das tropelias, as companhias das folgas aos professores, o bando dos "nico-picos", o grupo das passeatas... As nossas gargalhadas, os nossos disparates, as nossas anedotas, a nossa solidariedade, a nossa afinidade e disponibilidade... Um mundo!

Dei por mim a desejar ter toda esta trupe por cá...
Amigos cuja presença se foi esbatendo ao longo de 20 anos de "cada um segue a sua vida", como se as vidas fossem estanques!...
Amigos - uns de longe, outros de perto - mas que lembro com saudade, estimo com afecto e espero como milagre!

Por isso, quando reli estes magínificos versos de Sophia (são todos magníficos..., para dizer o mínimo!), decidi dedicá-los a todos estes meus Amigos a quem dedico um grande afecto apesar de, há tanto tempo, os não ver.

Ao Agostinho (o meu "se"), à Ana Paula (companheira de tanto comboio), à Zélia (a amiga da tropelia às palavras), à Elisabete (a enciclopédia das anedotas), à Paula Cristina (a amiga mais vaidosa), à Anabela (a voz de sereia), à Elsa (a nossa noiva de Maio), ao Vítor (com ele íamos às jaulas), à Lurdes, ao Manuel e a tantos, tantos outros...

Tantas as saudades... Tão bom pensar que permanecem por cá, no coração. Tão bom ter a certeza que, quando os reencontrar, o afecto continuará a ser o nosso vínculo.



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sábado, 26 de junho de 2010

Da Intimidade (prece)

"Como eu não sei rezar
Só queria mostar meu olhar meu olhar meu olhar"
excerto da cação Sou Caipira, de Elis Regina

Numa das minhas rotineiras deslocações, a rádio surpreendeu-me com a voz límpida e sentida da Elis Regina nesta fantástica canção Sou Caipira Pira Pora.

A primeira lembrança que tenho das canções de Elis Regina é de uma das primeiras telenovelas transmitidas em Portugal onde muitas vezes se ouvia Fascinação (talvez a minha canção predilecta desta cantora).
 
Mas esta Caipira em particular é (sempre foi) uma espécie de canção-hino que me emociona realmente. Acho que me identifico com a mensagem: todos nós somos obreiros de uma mina nem sempre clara, nem sempre visível, muitas vezes penosa.
E, à custa de tanta dificuldade na mina, tantas vezes nos sentimos fora dela ou aprisionados por ela. E por isso continuamos a rezar pela capacidade de colocar a vida no trem, num curso certo, claro e feliz.
 
Raramento contenho uma lágrima nestes dois versos. De facto, acredito que, por muitas que sejam as palavras, por muito engenhosa que seja sua articulação, há situações em que a palavra não consegue conter a nossa ânsia, a nossa esperança, a nossa emoção.
 
Desde criança que penso que rezar é estar disponível para Deus ler o meu íntimo, saber o que quero - mais que isso: saber o que eu preciso. Hoje, tenho absoluta certeza de que assim é.
 
Sei que tenho um Amigo - e é mesmo assim que me refiro a Deus ou a Cristo: o "meu Amigo" -, que esse Amigo é amor e que sabe melhor de mim do que eu própria.
 
Por isso, quantas vezes Lhe mostro o meu olhar. Enche os meus dias de luz saber que Ele o vê!



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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Da Celebração (parabéns)

"Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa"
poema Terror de te amar, de Sophia de Mello Breyner

Parabéns!

Um pequeno poema, um mar de emoção e uma esperança quase feroz acompanham esta mensagem que assinala o teu aniversário.

Falta pouco para podermos celebrar verdadeiramente.




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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Do Regresso (ânsia)

"Como ondas do mar dançam em mim os pés do teu regresso"
excerto do poema Enquanto longe divagas, de Sophia de Mello Breyner


Penso que voltaste a mim, Amor.

Mas o meu anseio é que voltes a ti. Que reencontres o teu caminho para ti.
Só assim, creio, regressarás inteiro para mim. Para o amor - a nossa casa.

Pesa-me o teu desalento. Pesa-me a tua mágoa.
Sobretudo porque não sei como contrariar essa escuridão que te cobre, te entorpece...

Possa eu ser alento, possa o nosso amor ser motivo, possa a esperança que resiste ser certeza.
Possa o teu regresso dançar alegre em nossa casa.



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terça-feira, 22 de junho de 2010

Da Palavra (acolhimento)

"Pois a palavra não é o grito,
mas acolhimento ou despedida.
A palavra é a súmula do silêncio,
do silêncio, a súmula de tudo."


Estou a ler (correctamente: a reflectir) os Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner.
São fantásticos, mas não são o mote da reflexão de hoje.

O livro foi-me emprestado - é um livro já bastante manuseado por alguém que nele inscreveu outros tantos segredos: estes muito menos sondáveis que os dos Contos Exemplares. Por isso, é como se estivesse a ler, além dos contos, as confidências e os propósitos do anterior leitor.

Uma das páginas ostenta os versos que acima transcrevi - sem indicação do poema, sem indicação do autor...

Seduziu-me esta ideia da palavra-acolhimento e da palavra-silêncio!

Tantas são as vezes que não encontramos a palavra a proferir mas o nosso silêncio é um mundo de emoções e de encontro com o outro!
Tantas são as vezes que as emoções e o encontro não pedem mais do que um meigo e sereno acolhimento... A palavra? Temos os olhos, o sorriso, a expressão... poupemos as palavras!
Silenciemos nelas o nosso mundo!


Para ti. Além de tudo, tenho também a tua mão entrelaçada na minha.



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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Da Partilha (sorriso)

Trocaria o azul límpido do céu
Pelo desejo que em ti se agiganta
E o suave toque das manhãs
Pelo revolto fogo que te incendeia
E o aconchego de cada dia claro
Pelas violentas e recônditas emoções
A que a todo o momento me instigas!
tentativa de pequeno poema, por Cravo de Carne

Esta minha tentativa humilde de poema fica muito melhor na Banda de Moebius, do meu Amigo Fran, onde comenta uma extraordinária fotografia de título "Verão".


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Da Partilha (ternura)

"Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.
- Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos."
excerto do poema As Mãos de Eugénio de Andrade
Entre a confusão de uma semana em que, invariavelmente, há mais afazeres que horas; há mais obrigações que devoções; há mais consumições do que prazeres... lá roubei um par de horas, um abençoado par de horas redentoras.

Mesmo no momento em que o corpo expressa o seu cansaço, a mente o seu desencanto, a vontade a sua falta, a alegria o seu esmorecer... Lá furtei este tempo para dar tempo a tudo - não ao resto, mas a tudo!

Um par de horas de Sol - só nessa altura me dei conta que ele cobria tudo, bem esperto..., debaixo de um jacarandá, descortinando uma paisagem singular, em serena alegria. Uma alegria pequenina - é tanto o que nos consome! - mas uma alegria ancorada na esperança do nosso amor.

Os nossos segredos não são nossos. Eu sei. Eu calo e tu calas. Eu sei porque o faço: é tanto já o que nos impede... nomear? É os impedimentos criar, dar-lhe luz e existência... Enquanto não disser, são mais pequenos... Enquanto não disser, tenho esperança que nunca venha a dizer...
E tu? O que calas? Pressinto que uma razão não muito distante o explicará...

Neste par de horas, voltei a ti. A minha mão voltou à tua - não há outro sítio onde esteja melhor.
Sabes? Sinto muito a tua falta em muitas pequenas e grandes coisas.
Mas o que mais falta me faz é a tua mão na minha... Entrelaçando os meus dedos ou escprregando pelo punho da minha camisola.

Saberás tu a ternura com que sempre procuro a tua mão?... Mesmo quando não estás cá?


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sábado, 19 de junho de 2010

Da Despedida (clara)

"Se se estreitam as mãos, e se abraça,
não é nunca para apartar-se,
é porque cegamente a alma sente
que a forma possível de estar juntos
é uma despedida longa, clara
e que o mais seguro é o adeus."
excerto do poema Serás, Amor? do poeta espanhol Pedro Salinas

Nas minhas leituras distraídas de mais viagens que uma só semana poderia albergar encontrei o poema de Pedro Salinas do qual extraí os versos transcritos acima.
 
Não conhecia o poema. Embora a fácil analogia à vida (ou até ao terrível dito conformista "é a vida...") a forma elegante, pungente e amorosa como a fatalidade do adeus se nos revela é um bálsamo!
 
Escrito sob o mote de dois versos eloquentes e paradoxais no seu intento: "Serás, Amor, um longo adeus que não acaba?", todo o poema - estes versos em particular - são uma lição do que é um afecto imenso, do que é uma doação extrema.
 
E, talvez, não seja paradoxal pensarmos em amar como se fosse um adeus. Como se necessitássemos de ter sempre "em dia" a expressão e a forma dos nossos afectos. Expressá-los e vivê-los hoje e em todos os sucessivos hojes - os únicos momentos em que estamos seguros de o poder fazer. Amanhã, se for o adeus, tudo teremos feito, tudo teremos dito. O amanhã surgir-nos-á com saudade, com amor (ainda), mas nunca com arrependimento.

No Amor, como na vida: um longo adeus se desenha à partida.


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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da Escolha (trigo)

"Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!"

Há dias em que todas as palavras do mundo nos parecem desnecessárias.
Há momentos em que a palavra não é capaz de nomear o sentimento.
Mas há emoções que precisam de voz!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Do Destino (círculo)

"Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?"
poema Que pode uma criatura, de Carlos Drumond de Andrade
 
 
Mais do que à morte, estar-se (ser-se?) condenado ao Amor.

domingo, 13 de junho de 2010

Do Sortilégio (crer, ainda)

"... Chansons
Et soleil sur nos amours
Ça vient sans qu'on y pense
Soudain ça recommence
Et rien, rien n'est jamais perdu d'avance
Sans bruit ça se prépare
Et puis sans crier gare
Ça vient quand on n'y croyait plus"
excerto de Ça vient quand on n'y croyait plus, de Charles Aznavour


sábado, 12 de junho de 2010

Da Melancolia (amor, ainda assim)

"e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia"
poema de Al Berto

O poeta do desassombro e o desassombro da mal compensada alegria...

Um poema que começa por prometer o mundo e termina num mundo despido - incluisive das palavras - embrulhado numa pacata melancolia - entre o doce (do paciente amor) e o vazio (da constatação do frio da lava).

Todas as esperas são uma imensa possibilidade, todos os planos uma quase certeza, todas as palavras são pontes, todos os gestos são partilha (são os meus? são os teus?), todas as expressões são de maravilha...

Em todas as esperas sonhamos - enquanto arrepiamos um insidioso "se" - a perfeição. E em todas as realizações nos espera um quê de desilusão, que nos impossibilita saborear as pequenas parcelas de perfeição, misturadas com outras de decepção e com outras ainda de redenção...

Quanto mais mundo esperamos - e quem sabe se nessa espera colocamos, de facto, todo o nosso talento de oleiro e a nossa maleabilidade de barro - mais esse mundo (não deixando de ser mundo!) fica aquém daquele que esperamos...

Escrevia João de Deus "Sei o que vai em teu seio cheio de mal compensado amor" (excerto de Os Olhos Falam) - não sei se porque amamos demais, se porque achamos que o nosso amor é maior (duvidosa constatação!), se porque o amor do outro é menor (consequência da anterior), se porque não somos capazes de perceber que essa é a capacidade do outro nos amar e, sendo-a, cabe-nos a nós aconchegá-la...

De uma espera tão ansiada, que tudo prometia, não creio que tenha enchido "o seio de mal compensado amor"... Mas a melancolia... ficou por cá!

Sempre à espera de ser expulsa em forma de terna alegria.

E, assim, continuo a esperar.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Do Querer (ser)

"Pecado, Amor? Pecado fôra apenas
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado."
excerto do poema Somos de Barro de Sebastião da Gama
Hoje é um dia especial para mim.
Não creio que existam dias de tudo ou nada, mas creio que existem momentos que mudam a nossa vida. Todos, de alguma forma, mudam ou moldam a nossa vida, acho. Mas há momentos que, de facto, mudam a nossa vida. E hoje espera-me um deles.
 
A bem da verdade, devo dizer que toda a frase "momentos que mudam a vida" está errada.
Dá-nos ideia da importância vital do que planeamos (como se se planeasse a vida...!) ou do que esperamos (mais a espera que o plano...), mas está errada.
 
Será, julgo, o que fazemos nesses momentos - a verdade e a coragem que neles manifestamos - que será capaz não de mudar a vida, mas de alinhar (e manter alinhada...) a nossa trajectória por aquilo que profundamente somos nós.
 
Hoje, espera-me um desses momentos: um momento planeado, ansiosamente aguardado, no qual deposito uma esperança imensa... Conheço-me, embora me confunda ainda - tão amiúde!... Tanta espera, tamanha esperança... Como diz o poema "somos de barro": seremos nós a moldar o momento...
Um pelo outro. Nós por nós.
 
Eu, que trago sempre as palavras (coitadas...) em rebuliço e em confusão, saberei mais logo dizer-tas? Saberás tu ler o que o meu rosto já diz tão descaradamente?
Saberei eu escutar-te e, escutando-te, saber de ti que constróis um nós?
Saberei eu ver no teu rosto a forma que o nosso barro toma, a forma como nos preparas para a luta, para o hoje e para todos os hojes que se sucederão?...
 
Tantas dúvidas a acicatar a esperança!...
 

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Do Querer (pátria)

"queria de ti um país de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma!"
pequeno poema (mas grande mundo...) de Mário Cesariny
Dia de Portugal.
É feriado, mas despertei cedo. Como se fosse um normal dia de trabalho - por rotina, acho... Ou seria porque até dormindo sei que estamos a levar este país por um caminho errado e, isso, esmorece qualquer vontade de comemoração? Quase de vergonha impotente e inútil (porque não é acção, não constrói)?

Chovia - chove ainda - copiosamente... Céu escuro... Nem a Natureza parece feliz por este feriado. Nem a Natureza parece disposta a festejar Portugal e os Portugueses que vivem pelo mundo...

Sentia-me gelada... Lá enfiei novamente o casaco e as meias...
Mas ainda assim... varria-me uma aragem agreste, pungente...
O meu país: o único que vou conhecendo e desconhecendo; o único que me recebe, que me surpreende, que me desilude, que me tira - tantas vezes! - do sério, que me emociona...

Mas o que é o "meu" país? É uma terra cheia de recantos e encantos, é um legado de sabedoria e cultura, é uma herança de maravilhas naturais, é um povo acolhedor e pacato, é um riso mal contido subjudgado ao peso dos dias...
O meu país é todo este legado que nos confiaram, esperando que dele cuidemos e sejamos capazes de o passar às gerações vindouras em todo o seu esplendor.
Nós somos inquilinos deste país. Como o iremos passar aos que nos sucederem?...
Tenho receio da resposta... Melhor, não quero pronunciar a resposta. É como se, enquanto a palavra não for dita, não exista.

Tem de haver uma forma de transformar este dia tão triste no dia da nossa pátria. Tem de haver...
Procurei nas memórias de palavras que andam cá pelo meu espírito (uma confusão!...): encontrei estes versos de Mário Cesariny.

(Há uma editora cujo site abria com a declamação destes versos. Hoje já não é assim e, quando entro, parece-me sempre que já não sou bem-vinda: já não me espera esta saudação, a singular declaração de que eu poderia ser pátria...)

E estes versos porque definem uma pátria que todos podemos ser. E, sendo pátria, também poderemos ter.

O nosso mundo não são palavras - mas são as palavras que levam o nosso mundo aos outros, são as palavras que nos aproximam, são as palavras que nos podem fazer - cada um à sua medida - o nosso mundo.

Uma pátria como a que sonhamos: de bondade, de mistério, de partilha, de riso... suave como o perfume da rosa; clara e delicada como a espuma; imensa, perene e criadora como o mar!

Esse mundo começa em nós.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Do Querer (segredo)

"Mal fora iniciada a secreta viagem
um deus me segredou que eu não iria só.

Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que deus me segredou."


poema Inscrições Sobre as Ondas, de David Mourão-Ferreira

A felicidade de acreditar que fomos criados para a Alegria!

Como deve ser maravilhoso viver nesta plena certeza que há alguém que sempre protegerá, mitigará ou partilhará a nossa solidão!

Momentos destes - espero que todos, como eu, já os tenham sentido. Mas viver nesta imensa esperança...
Ah! Como seria bom...

Sobressalto abençoado!
Todas as manhãs, todas as tardes, todos os crepúsculos, todas as ruas, todas as vielas, todos os lugares óbvios ou recônditos vistos pelos olhos de quem espera o sortilégio...
Pensamento, coração, sentidos, emoções sempre alerta para receber o esperado...

Neste segredo - a luz virá - se ergue a esperança, se funda a certeza de ser; se funda a racionalidade da existência.

E, nesta certeza que é a espera (só a espera até que chegues...) o quanto já se está acompanhado!

Da Ternura (sempre)

"Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."
um imenso poema de Alexandre O'Neill
Quase parece um poema de adeus, não é?
Mas é muito mais...

A plena consciência - a amorosa consiciência - do espaço que o outro vai deixar vazio é a própria consciência de que se ama. Não de "quanto" se ama: ou se ama ou não...
Não há cá amo-te "muito" ou outras declinações quantitativas... Admito um "amo-te tanto..." (já a raiar o excessivo) como que significando "não tenho como te exprimir o meu amor", mais que isso é tirar profundidade à espressão verbal desse sentimento...

Um "amo-te" não precisa de adjectivos, que qualificativos, de quantificadores e de outros retoques.
Amo-te.
É um grito - seja no sentido literal, ou um sereno e expressivo sussurro. Avassalador. Não deixa dúvidas. Não admite meias-medidas.
É. E basta - tanto!

Voltemos ao poema. Aprecio particularmente a economia de meios destes poemas de poucas letras onde cabe o nosso mundo, onde cabe o também o  mundo do outro que abraçamos na vida.
Um espelho que sintetiza e nos revela o nosso mundo, envolto em diáfana ternura - como tudo o que construímos em sólidas fundações (liberdade, verdade), num espaço sempre aberto mas resguardado pelo nosso peito.

Viver o hoje como se não houvesse o amanhã. Valorizar o que temos, reverenciar, amar, proteger... Uma atitute sã, prudente - o amanhã, o daqui a bocadinho... são tão incertos! -, zelosa e amável para com a presença do outro... Afasta, certamente, a curva onde nos afastaremos dele... Permite-nos "tropeçar de ternura" (expressão incrivelmente bela, incrivelmente tocante) e ficar...

Tão bom quando a curva que nos há-de separar vai ficando mais longe, enquanto percorremos um caminho onde tropeçamos em carinho, em afecto, em amor.

E é assim que entendo este poema: não um adeus, ou uma certeza de um adeus.
A certeza de termos de continuar - e continuaremos - a cuidar da ternura.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Do Ser (escudo)

"Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo..."


excerto do poema Ternura, do livro Infinito Pessoal, de David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Da Esperança (sinal)

"Se aqui de um manso mar meu fundo indicio
Três ondas o apagam"
excerto do poema Inultimente Parecemos Grandes, extraído do livro Odes, de Ricardo Reis
A minha Irmã, que regressou da Ericeira, trouxe-me um pequeno farol, azul e branco. Um mimo.
Quando regressei a este espaço, dei de cara com o farol que o blog exibe (e que já estava num formato pronto a usar...). Daí à palavra de hoje o espaço foi curto!

No meu imaginário vagueiam algumas imagens romantizadas de faróis, faroleiros, de naufrágios e prodígios... Fácil é chamar o mistério, o portento,... as coisas que não conhecemos de facto, mas que queremos à viva força que existam. Todos nós desejaríamos um conto de fadas...

Mas não é por aí que rondam os meus pensamentos em torno desta palavra farol.
Os meus pensamentos vagueiam pela luz! Pela luz que se acende em cada farol, pequenina, bruxuleante e se propaga firme e útil milhas adentro dos oceanos, iluminando vidas: segurando rotas, afastando perigos, trazendo à luz o que é da luz.

Todos nós somos faróis. Todos nós temos esta capacidade esplêndida de sermos referência de nós, referência para os outros. Seremos faróis para os outros pela nossa forma de viver, pela nossa atenção e disponibilidade, pelos nossos gestos quotidianos em prol do afago de quem nos está próximo.

Como os faróis, temos de cuidar da nossa luz, para que ela sempre brilhe e cumpra o seu papel. No nosso caso: uma missão de bem-fazer, uma missão de amar.

domingo, 6 de junho de 2010

Da Promessa (solidão)

"Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado. Quero me recolher, me retirar das ocupações efêmeras. Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem..."


Rainer Maria Rilke, citado aqui
Sou de alguém que aprecia muitíssimo Rainer Maria Rilke.
Por isso, hoje procuro o meu mundo em algumas palavras de Rilke. Todas as que conheço, magníficas!
 
Primeiro nesta pequena citação, tão complexa, como complexo fazemos o nosso dia a dia. E, visto daqui, até parece simples: viver como se o tempo fosse ilimitado - é a forma como vivemos a nossa vida, como se o amanhã fosse certo. E tão incerto que ele é!...
Soubessemos isso e o beijo não ficaria para amanhã, e as palavras ardentes (o amo-te, o perdoa-me, o vem, o quero-te) e as palavras ternas (o gosto de ti, o desculpa-me, o estou aqui) seriam pronunciadas na altura certa - que é toda - e nunca tardiamente, quando já não têm o dom de mudar, de construir mundo.
Soubessemos isto e deixaríamos de ter relógio, passando a ter tempo; deixaríamos de ter agenda, e passaríamos a ter afectos...
 
Destrinçar entre o que é importante e o que é acessório. Sim, porque podemos ter estes e aqueles afazeres, mas se nos perguntarem o que é importante para nós, os afectos virão à cabeça da lista. Então, porque os adiamos?
 
Porque não dizemos às nossas crianças que irrompem casa dentro em grande euforia um "vou brincar contigo" e preferimos alertá-las para uma qualquer obrigação que não cumpriram?
 
Porque não dizemos aos nossos Pais o quanto são para nós, preferindo ignorar os seus reiterados queixumes e lamentos?
 
Porque não dizemos à pessoa que partilha a nossa esperança que ela é também a razão dessa esperança?
 
É de Rilke (julgo) a seguinte frase:
"Amor são duas solidões protegendo-se uma à outra."
Hoje, aqui, te digo: tu proteges a minha solidão. Oxalá eu consiga proteger sempre a tua.

sábado, 5 de junho de 2010

Do Querer (mais)

"O meu país sabe as amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas."


Excerto do poema As Amoras, de Eugénio de Andrade
 
Não gosto de futebol. Não gosto dos pseudo-deuses que cria. Não gosto dos desmandos que alimenta e de que se alimenta. Nem sequer gosto de vuvuzelas!
 
Abro uma excepção para o hino deste mundial - gosto! Gosto especialmente do clip (no meu tempo, no tempo dos primeitos clips, dizíamos telediscos... ainda me acontece dizer - ou não sabem, ou fico logo no rol dos mais velhos, ternamente (?) apelidados de cotas...) que revisita todo o nosso imaginário de África (encontra-se aqui). Anima!
 
Ordem! Não gosto de futebol nem da parafernália que o envolve e que tudo envolve - esquecido tudo o que é relevante até... até que corra tudo bem.... ou... até que corra tudo mal!

Para o país - e este somos nós: os de hoje, os que deixaremos cá depois que partirmos - irá correr mal.
Subjugados por uma estranha alegria e motivação - a primeira de fachada, a segunda inútil e fútil - seremos espectadores de um jogo que nos alheará do jogo importante, do jogo que é o futuro do nosso país.
 
Mas agora me lembro: se não houvesse esta distração, estaríamos condenados à tragédia de assistir impotentes (!?) ao agonizar do nosso país, das nossas gentes, enquanto os iluminados, ledos e serenos, alguns (que elegemos!!) seguem assobiando, propalando maravilhas e reformas no nosso país - que, por mais que se queira (à custa do cansaço de tanta angústia!), não se conseguem descortinar.
Talvez esta pausa seja útil... A seguir virão as férias de Verão...
 
E é assim que chegamos a este país tão sábia e meigamente retratado nestes versos de Eugénio de Andrade - até se chega a pensar que nele se fala bem de nós próprios - vivemos bem sem a elegância (é nestes momentos que dizemos que o aspecto não interessa, interessa é o interior...), sem a grandeza dã não (interessa ser grande em princípios, não em tamanho ou em valores materiais...). E quase nem nos importamos de viver sem a inteligência... Como se isso fosse possível!
 
Continuamos a ser doces... Só não sei se acordamos cedo. Nem se continuamos a cantar as silvas.
 
Mas somos um país, maioritariamente, de heróis. Daqueles a quem ninguém condecora, mas que fazem o milagre de governar uma casa com o salário mínimo, criar um ou dois filhos, pagar os transportes para o emprego e continuar a sorrir, mesmo quando se vão subtraindo a esse salário impostos, uns atrás dos outros...
E se fica com a vaga noção que se destinam a uma heróica viagem à África do Sul, à Venezuela, à China, ou a outra parte do mundo qualquer.  
Heroismos que nunca lhes (nos) caberão...

Uma viagem a que assistiremos, em apoteose, pela caixa que nos traz o mundo a casa - de frente, de perfil, de cima,... tantas vistas quanto as acrobáticas posições dos repórteres permitem. Devidamente legendadas, relatadas e comentadas por jornalistas, comentadores, painelistas (!) e sabe-se lá mais quem... Cá na terra, são so reformados que assistem aos trabalhos na via pública - chamamos-lhes os "engenheiros"; nos meios de comunicação social, são tudo e mais alguma coisa.


O que mais me custa é a expressão "líderes de opinião": agradeço, mas não quero. Por opinião quero a minha. Informem-me e eu formo-a.

Assim... continuam a caber-nos as silvas... Desde que as cantemos manhã cedo!
 
O meu país não se governa - não há quem o sirva. Não há quem o queira governar.
 
Mas é um fado cantado, suavemente, junto às silvas.... E o fado começa assim "É a vida...".

Ai, como gostaria de abanar o meu país! E dizer-lhe que
"filho de um rei, que estando velho, volta a nascer quando há calor!"

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Do Amor (ser muito mais)

"basta a tua presença que protesta
e todo eu me sinto renovado"
de Poema para a Catarina, de Ruy Belo
Para ti, que voltas.
Que trazes tempo ao meu tempo, mundo ao meu mundo.

Não me tinha esquecido, como poderia?!
Não me tinha esquecido da poesia e da promessa - ou da promessa e da poesia - que fomos partilhando... Não me tinha esquecido, fazias-me falta todos os dias, todos os momentos...

Tantos já o disseram, mas são mesmo essas as palavras: eu não era eu completamente. Por que deixei de ser só eu quando te conheci. Passei a ser mais eu... Contigo e por ti.

Mas, agora que voltas, volto a ser eu, o eu a que me habituei nos últimos onze anos (tinhas notado que percorremos tanto tempo?!...) e que, nos últimos tempos, não conseguia encontrar: não estava no espelho, não se deitava comigo, não me respondia quando me interpelava... Não era solidão, não era desânimo - era vazio, ventoso vazio que sempre me gritava a tua falta.

Volto a ser eu, completa. Eu e tu e, entre nós, por nós, de nós, as nossas palavras: as proferidas, as sentidas, as pressentidas, as sussurradas, as prometidas... De nós. Na poesia deste afecto imenso.

Tenho medo... Não sendo um mas, aqui testemunho o meu medo - não posso perder-te outra vez.
Não, não é "não quero perder-te"; é mesmo não posso.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Da Alegria (amor)

"E o deslumbrante resplendor da alegria
tua felicidade eterna à vida
já não permitirão tua partida
quando raiar fatal o novo dia"
excerto do Poema para a Catarina, de Ruy Belo
Porque hoje, ao contrário do Poeta, regresso à terra da alegria, à esperança no amor do meu Amor.
Reconcilio-me com a certeza do meu amor pelo meu Amor.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

terça-feira, 1 de junho de 2010

Da Esperança (mais mundo)

"A esperança é um dom que eu tenho em mim (eu tenho sim)
(...)
Tem um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz."
excerto da canção Era uma brincadeira, escrita por Peninha, interpretada por Caetano Veloso
Tirados de uma canção que reconhece uma partida, estes versos são um oásis.

Ter um sonho é motivo bastante para ter esperança. Porque o sonho é nosso, enche-nos, mesmo quando somos tentados ao vazio da falta de alguém que parte.

E por isso, o sonho motiva-nos a persisitir na vida - a nossa esperança reside em nós próprios: na consciência que há um tempo infindo para lutarmos pelos sonhos, mas breve (amanhã!) para entendermos a sua realização.

E, nesta conjugação - perda, sonho, luta, realização - perpassa a esperança e consubstancia-se a alegria!

Muito simples, como todas as coisas importantes da vida!

Da Luz (sonoridade)

"Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há."
extraído do poema Partilhar de José Carlos Ary dos Santos (também aqui)

Palavras intrigantes!

As palavras como céu, cobertas pela cidade. Então, a cidade não está assente no chão e o céu assente, digamos, no céu?

Um céu de palavras... Imagem tão extraordinária! A liberdade, a infinita possibilidade de ser (tudo!), a estonteante capacidade de se soltar e dizer sem pejos as palavras que espontaneamente nos brotam e que tolhemos antes de cumprirem a sua missão...
Somos nós que as calamos - mas é mais fácil aceitar que é a cidade que as cobre... Porque a cidade não sou "eu", mas a cidade somos nós nesta intrincada teia de relações que nos fazem ser o que parece bem e não ser aquilo que temos de ser.
Somos nós que as calamos - pensando que construimos relações, quando muitas vezes nos deixamos levar por uma corrente que não dominamos, num rio que desconhecemos, entre as paredes de cidades que não são abrigos mas sim amarras. Não são relações - porque não são espaço de liberdade. Pronto.

Mas há palavras que continuam a ouvir-se alto! Contra a indiferença, contra o comodismo, contra o politicamente correcto. Há? Sim... as palavras que, mesmo nas ruas de som (de ruído?) se fazem ouvir, temerárias e lancinantes...
Mas quem as ouve? Quem lhes dá vida depois de escutadas?
Muito temos a fazer... Porque essas palavras miraculosas atravessam as nossas vidas assoberbadas de outras palavras inúteis - mas que ocupam muito espaço, gastam muita energia, entretêm muito tempo - sem trespassar a nossa indiferença, sem motivar a nossa mudança, sem encontrar eco que as faça viver, sem encontrar ânimo que as faça ser.

E, assim, se perde a esperança e se tolhe o futuro - porque os perdemos à procura de uma sombra, quando nem a luz existe.