a estação do que passa e se desfaz
Esqueci a minha infância e não sei nada
Estou à sombra e espero alguém virá
sombria melodia do meio-dia
o perfume dos campos cavalgados
na quente luz do dia em que eu vivia
Alguém me chegará desse distante bosque
onde eu errei a minha juventude
nas formas levemente tacteadas pelos dedos"
excerto do poema Despeço-me da Terra da Alegria, de Ruy Belo
Muitos dias andei longe. Melhor, dei por mim longe. Tão longe que não me identificava em parte alguma. Tão longe que não descortinava o caminho do meu regresso.
Como sempre, é na meditação das palavras que me cercam que retorno a um caminho - nem sempre novo, nem sempre velho - mas a um caminho plausível entre um horizonte indistinto e a possibilidade de relatar o hoje escrevendo o amanhã.
Na colheita das palavras - de todas as que me cercam: as já escritas; as já lidas, algumas tão repisadas!...; as que esperam ser ouvidas; as que voam perdidas, e que, sem saber, me interpelam... - encontrei esta expressão "despeço-me da terra da alegria".
Apesar de já conhecer o poema (aprecio a forma forte, sagaz e irónica de muitos poemas de Ruy Belo, poeta maior da nossa língua, infelizmente votado ao esquecimento), foi esta expressão - tão breve como infinda... - que me fez regressar, despedindo-me do "longe" e abraçando a vida, a minha "terra da alegria".
Reiterei perante mim que não quero esquecer a minha infância; que quero continuar a encontrar o castanheiro; que quero continuar - e continuarei - a viver com perfume dos campos, o canto dos pássaros e a música do vento. Porque a minha vida não é a espera de alguém e dos seus prodígios: o prodígio da minha vida é o círculo em que a minha vida se une a tantas outras - na alegria e na liberdade.
O prodígio da minha vida não é o que espero de alguém nem é esperar alguém... porque não quero despedir-me da terra da alegria!
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