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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Da Vida (sonho)

"E defendo-me da morte povoando
de novos sonhos a vida."

excerto do poema Mesa dos Sonhos de Alexandre O'Neill



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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Da Vida (amigo)

"Procura-se um amigo


Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Texto de Vinicius de Moraes que encontrei aqui.


Está tudo dito, não é?

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domingo, 24 de outubro de 2010

Do Adeus (Outono)

DAWN


To wake, and hear a cock
Out of the distance crying,
To pull the curtains back
And see the clouds flying
- How strange it is
For the heart to be loveless, and cold as these.
Poema de Philip Larkin (1922 - 1985)

E como é estranho - ou será mesmo cruel? - constatar que, contra o enternecedor rubro deste Outono, é cada vez mais certo que a evolução anunciada será mesmo "the heart to be lovesss".




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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Do Vazio (Deus)

"(...) com Ele, pelo menos, temos a certeza de poder romper indefinidamente..."


Quando, por desejo de solidão, rompemos os laços que tínhamos, o Vazio apodera-se de nós: mais nada, mais ninguém...

Uma tal perplexidade aproxima-nos de Deus: com Ele, pelo menos, temos a certeza de poder romper indefinidamente..."
E. M. Cioran, Silogismos da Amargura, 2009, Letra Livre, Lisboa, p.83


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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Da Palavra (Confissão)

"Lembra de mim!
Se existe um pouco
De prazer em sofrer
Querer te ver
Talvez eu fosse capaz
Perto daqui
Ou tarde demais..."

excerto da canção Lembra de mim de Ivan Lins

 
Tenho andado inquieta. Não gosto de coisas mal resolvidas. Não gosto que a palavra fique por dizer quando tem tanto a laborar.
 
Mesmo quando é penosa, mesmo quando não resolve problemas ou questões, a palavra honesta e clara sempre constrói mundos. Mesmo que o construir mundo signifique derrubar um para permitir a construção sólida de um novo mundo. No limite, ainda que tal signifique deitar abaixo uma construção insustentável para que esta não assombre o que vai ficando.
 
A medo - será que me habituei a viver nesta dúvida? - lá enviei a sms (tão previsível...) ontem. Mas a resposta não veio. Um simples pedido de colocar as "coisas" em ordem foi ignorado: ontem e todo o dia de hoje.
 
Apesar das evidências, eu ainda esperava poder dizer-te que compreendo que te afastes, que não haja futuro para um "nós". Para que pudéssemos manter algum contacto. Apesar de tudo - sobretudo da tua silenciosa ausência - continuo a preocupar-me contigo.
 
Ao longo da minha vida, uma ou outra ruptura aconteceu - felizmente muito poucas, felizmente de pessoas que não foram - de longe! - tão importantes como tu. Mas essas pessoas seguiram as suas vidas, não me recordo de ter por elas esta estranha, inquietante necessidade de as procurar para saber se estão bem.
Ontem descobri porquê: porque essas continuam geograficamente perto, de vez em quando encontro-as, ou sei delas por outras. Mas tu: estás a 300 km; só eu te conheço. Nunca saberei de ti por mais ninguém senão por ti.
 
Por isso, o contacto. Não para dizer o "amo-te" - embora verdadeiro, sentido, muitas vezes insolente perante a minha racionalidade. Apenas para dizer: se não vamos ser "nós" vamos ser amigos, daqueles que se falam nas festas, com conversas de circunstância, banais. Mesmo nessas palavras banais eu poderia saber que estás bem. Ou perguntar se podia ajudar.
Assim, nem isso. Custa-me ter de viver em inquietação pelo teu bem-estar, pela tua felicidade.
 
Porque te amo.
 
Apesar de saber que amar nem sempre é suficiente.
 
 
 
 
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sábado, 9 de outubro de 2010

Da Vida (declaração)

Amo-te porque preciso de ti.
Preciso de ti porque te amo.


Ouvi estas palavras de uma conviva de viagem, em Agosto. Disse-as a outra, com o conselho de que a segunda formulação seria a correcta.

Disse ainda que isto se aplicava a tudo: aos Pais, ao parceiro, à própria vida. Pareceu-me um trocadilho de gosto duvidoso, devo confessar.

Após alguma reflexão, começou a parecer-me sensato.

Hoje estas palavras regressaram de tão longe, chamadas pelas fotos da viagem e por mais alguma tristeza neste lugar onde estou sem ti.

Acho que eu estava (estou) no trilho certo: preciso de ti porque te amo. Porque te conheço e te reconheço no que trazes (ainda) à minha vida. Continuas (sempre o serás, creio) a minha metade. Não porque me completas mas porque sempre serei menos sem ti.

Por isso preciso de ti. Porque te amo. Apesar de ter de viver sem ti.




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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Dos Dias (vazio)

"Who am I?

Nobody knows but me
Nobody knows but me
Who am I?
Nobody else can see
Just you and me
Who are we
Oh My Love Oh My Love"
excerto da canção Look at me de John Lennon

Detesto estes dias: escuros, molhados, tristes!

Juntar-lhes uma conferência superlativamente monocórdica e desinteressante teria, claro, de redundar em tempo de introspecção. O que, por estes dias, não é a melhor coisa...

Fui intercalando a música. John Lennon, em jeito de homenagem no aniversário do seu nascimento. Parece que todas as suas músicas se tornaram clássicos. A mim, parecem-me depositadas não sei em que espaço da minha mente - só esporadicamente regressam mas, quando o fazem enchem o meu pensamento.

Palavras tão simples - mas exactamente aquelas que criam mundos. Consigo ver-me nelas quando estou algre, quando estou triste, quando estou em dúvida...
Quantas vezes me substituem sempre tristeza por serena ternura, suavizando lamentações,...

Hoje, apercebi-me que no meu peito não há um lugar vago. Há o teu lugar. Que não ocupas, mas que ainda assim é o teu lugar.

"Nobody else can see."
 
 
 
 
 
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domingo, 3 de outubro de 2010

Do Ser (procura)

"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração"
excerto de Samba da Benção, de Vinicius de Moraes

Ontem assisti ao filme "Comer Orar Amar". Mais um filme onde a vida atinge um ponto de ruptura, onde o horizonte é de desnorte, seguindo-se uma caminhada redentora que culmina num novo ponto de ruptura - desta vez feliz. Feliz para sempre...

Parece que na vida "real" estas coisas acontecem mesmo (o livro que serviu de base ao filme relata uma experiência concreta).  Quantas vezes enfrentamos os nossos desnortes, as nossas dúvidas?

Pensei no meu percurso pessoal. Perguntei-me se eu poderia arriscar uma mudança tão radical, tão livre (porque não controlada) na minha vida. A primeira resposta veio-me em forma de dificuldades: o vínculo laboral, o custo, as responsabilidades, a incompreensão dos que vivem comigo... Aqui parei para repensar a resposta, claro. A incompreensão dos outros? Vivo para os outros? Espero a sua aprovação?! Se fosse crucial para mim, não iriam compreender e apoiar-me?

O caminho dos pensamentos é perigoso. Voltei atrás, que é como quem diz a mim própria: tenho, de facto, vontade de empreender uma procura destas? Se pensar na "aventura", na viagem geográfica pura: gostaria, pois. Mas é viajar, apenas. Partir e saber que volto ao ponto de onde parti: o lugar geográfico, o espaço físico, mas, sobretudo, para o lugar dos afectos. Para "os meus".
E ainda me perguntei se tenho necessidade de fazer esta viagem. Embora de forma não definitiva, a resposta parece-me ser um não. Sei quem sou, procuro sê-lo o mais possível e cada vez mais vou conseguindo ser.

No final do filme, a palavra-chave da protagonista chegou: "attraversiamo" (atraversamos). Esta poderá ser também, julgo, a palavra-chave da minha vida: atraversar os momentos com todos e com tudo que eles carregam: a alegria, a tristeza, o risco, o certo... É sempre no certo que ancoro o risco e na alegria que ultrapasso a tristeza.

Dentro de mim sei que atraverso os meus momentos numa sucessão de ofertas e de dádivas, onde o sofrimento e os obstáculos se vão superando com empenho, com carinho e com alegria. A tristeza, a solidão e o desencanto existem, claro. Mas são atravessados. Porque alegria é a melhor coisa que existe.



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