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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Do Ser (muito mais)

"O que és não vem à flor
Das caras e dos dias"
excerto do poema "Faz-me o favor.." de Mário Cesariny
E, depois deste interregno (diria quase de luto*), volta-se à alegria das palavras prenhas de sentido, de sentimento... Que quase explodem de vida e mendigam atenção.

Sem pejo - permita-me este Poeta da Liberdade - retiro do fantástico poema apenas estes dois versos. Eles  são já uma ode ao conhecimento profundíssimo que um tem do outro (pode ser amor, pode ser amizade, não interessa - até porque são sentimentos que não se desunem), mas é tão ampla, tão portentosa e tão reveladora que só grandes imagens (como estas) retratam - e, ainda assim, ficam aquém!

Mas também podem ser uma evidência da diferença entre o que se é e o que se mostra. E isto não é ter "duas caras" (lembrem-se que o objectivo é buscar palavras que criam mundos!).
É não ter dias para ser aquilo que se é - tão mais do que o que permitem as traiçoeiras rotinas em que se entretêm os dias.

Imagino estas palavras ditas por alguém ao seu par - de mansinho, constatando que o outro é tão mais que aquilo que os outros (que importam?) se apercebem... E, na imensidão dessa descoberta (que se refaz, sempre em redrobrados desvelos) ambos se espraiam por entre as flores, penetrando nas caras, nos dias sabendo aquilo que os outros não sabem.

Uma imagem comovente da cumplicidade da partilha de um segredo - que é o mundo do afecto que une as pessoas.

Tão bom...!


* E, contudo, parece-me impossível fazermos o luto de uma pessoa viva. De Alguém a quem não conseguimos resgatar o pedaço de coração que nos continua a ocupar.
Porque, se os inúmeros momentos de alegria, companheirismo, cumplicidade podem ser lembrados com carinho, com o sorriso fértil da palavra Amigo, já o futuro (e o presente, vá...) sem este Amigo que permanece no coração, no afecto, parece (o futuro) que nos afronta com a evidência da inutilidade do espaço que foi a nossa amizade.
Nunca consegui entender isto. Recuso-me a entender. Recuso-me a aceitar que o espaço do afecto fraterno se torne estéril.
E, deste tema, ficamos conversados!

2 comentários:

  1. Estéril é também o luto. Passe à frente!

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  2. Nem sempre é fácil. Um destes dias, analisarei melhor a palavra "luto".
    Hoje, apesar da Alegria (melhor, por causa da Alegria!) não é possível.
    Agradeço ter passado por cá!

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