"O meu país sabe as amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas."
Excerto do poema As Amoras, de Eugénio de Andrade
Não gosto de futebol. Não gosto dos pseudo-deuses que cria. Não gosto dos desmandos que alimenta e de que se alimenta. Nem sequer gosto de vuvuzelas!
Abro uma excepção para o hino deste mundial - gosto! Gosto especialmente do clip (no meu tempo, no tempo dos primeitos clips, dizíamos telediscos... ainda me acontece dizer - ou não sabem, ou fico logo no rol dos mais velhos, ternamente (?) apelidados de cotas...) que revisita todo o nosso imaginário de África (
encontra-se aqui). Anima!
Ordem! Não gosto de futebol nem da parafernália que o envolve e que tudo envolve - esquecido tudo o que é relevante até... até que corra tudo bem.... ou... até que corra tudo mal!
Para o país - e este somos nós: os de hoje, os que deixaremos cá depois que partirmos - irá correr mal.
Subjugados por uma estranha alegria e motivação - a primeira de fachada, a segunda inútil e fútil - seremos espectadores de um jogo que nos alheará do jogo importante, do jogo que é o futuro do nosso país.
Mas agora me lembro: se não houvesse esta distração, estaríamos condenados à tragédia de assistir impotentes (!?) ao agonizar do nosso país, das nossas gentes, enquanto os iluminados, ledos e serenos, alguns (que elegemos!!) seguem assobiando, propalando maravilhas e reformas no nosso país - que, por mais que se queira (à custa do cansaço de tanta angústia!), não se conseguem descortinar.
Talvez esta pausa seja útil... A seguir virão as férias de Verão...
E é assim que chegamos a este país tão sábia e meigamente retratado nestes versos de Eugénio de Andrade - até se chega a pensar que nele se fala bem de nós próprios - vivemos bem sem a elegância (é nestes momentos que dizemos que o aspecto não interessa, interessa é o interior...), sem a grandeza dã não (interessa ser grande em princípios, não em tamanho ou em valores materiais...). E quase nem nos importamos de viver sem a inteligência... Como se isso fosse possível!
Continuamos a ser doces... Só não sei se acordamos cedo. Nem se continuamos a cantar as silvas.
Mas somos um país, maioritariamente, de heróis. Daqueles a quem ninguém condecora, mas que fazem o milagre de governar uma casa com o salário mínimo, criar um ou dois filhos, pagar os transportes para o emprego e continuar a sorrir, mesmo quando se vão subtraindo a esse salário impostos, uns atrás dos outros...
E se fica com a vaga noção que se destinam a uma heróica viagem à África do Sul, à Venezuela, à China, ou a outra parte do mundo qualquer.
Heroismos que nunca lhes (nos) caberão...
Uma viagem a que assistiremos, em apoteose, pela caixa que nos traz o mundo a casa - de frente, de perfil, de cima,... tantas vistas quanto as acrobáticas posições dos repórteres permitem. Devidamente legendadas, relatadas e comentadas por jornalistas, comentadores, painelistas (!) e sabe-se lá mais quem... Cá na terra, são so reformados que assistem aos trabalhos na via pública - chamamos-lhes os "engenheiros"; nos meios de comunicação social, são tudo e mais alguma coisa.
O que mais me custa é a expressão "líderes de opinião": agradeço, mas não quero. Por opinião quero a minha. Informem-me e eu formo-a.
Assim... continuam a caber-nos as silvas... Desde que as cantemos manhã cedo!
O meu país não se governa - não há quem o sirva. Não há quem o queira governar.
Mas é um fado cantado, suavemente, junto às silvas.... E o fado começa assim "É a vida...".
Ai, como gostaria de abanar o meu país! E dizer-lhe que
"filho de um rei, que estando velho, volta a nascer quando há calor!"