não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há."
extraído do poema Partilhar de José Carlos Ary dos Santos (também aqui)
Palavras intrigantes!
As palavras como céu, cobertas pela cidade. Então, a cidade não está assente no chão e o céu assente, digamos, no céu?
Um céu de palavras... Imagem tão extraordinária! A liberdade, a infinita possibilidade de ser (tudo!), a estonteante capacidade de se soltar e dizer sem pejos as palavras que espontaneamente nos brotam e que tolhemos antes de cumprirem a sua missão...
Somos nós que as calamos - mas é mais fácil aceitar que é a cidade que as cobre... Porque a cidade não sou "eu", mas a cidade somos nós nesta intrincada teia de relações que nos fazem ser o que parece bem e não ser aquilo que temos de ser.
Somos nós que as calamos - pensando que construimos relações, quando muitas vezes nos deixamos levar por uma corrente que não dominamos, num rio que desconhecemos, entre as paredes de cidades que não são abrigos mas sim amarras. Não são relações - porque não são espaço de liberdade. Pronto.
Mas há palavras que continuam a ouvir-se alto! Contra a indiferença, contra o comodismo, contra o politicamente correcto. Há? Sim... as palavras que, mesmo nas ruas de som (de ruído?) se fazem ouvir, temerárias e lancinantes...
Mas quem as ouve? Quem lhes dá vida depois de escutadas?
Muito temos a fazer... Porque essas palavras miraculosas atravessam as nossas vidas assoberbadas de outras palavras inúteis - mas que ocupam muito espaço, gastam muita energia, entretêm muito tempo - sem trespassar a nossa indiferença, sem motivar a nossa mudança, sem encontrar eco que as faça viver, sem encontrar ânimo que as faça ser.
E, assim, se perde a esperança e se tolhe o futuro - porque os perdemos à procura de uma sombra, quando nem a luz existe.
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